A IMAGEM DE UMA SECA
ALDO NEVES E DIÓ DE SANTO IZIDRO
ALDO NEVES
A imagem de
uma seca
É faltar
cheiro na flor
Uma Acauã
gritar perto
Da boca de
um corredor
E um
vaqueiro chorar longe
De um boi
que a seca matou
DIÓ
Pois pintar
a seca eu vou
Na minha imaginação
Na vaca
morta de fome
Tá sem água
o cacimbão
Numa panela
vazia
Na mesa da
precisão
ALDO NEVES
Chorando um
filho sem pão
“Manheceu” o
dia em jejum
Vendo a
barriga vazia
Sem feijão e
jerimum
E a vaca com
quato peitos
Na sai de
leite em nenhum
DIÓ
Pintar a
seca é comum
Mas eu acho
diferente
Quem sabe o
que é a seca
Ouvindo
revelar sente
É a falta de
alimento
Na boca de
inocente
ALDO NEVES
A vaca
rangendo o dente
Sem abelha
no cortiço
E um pobre
se lastimando
Pés
descalços sem serviço
Quem se criou
no nordeste
Já passou
por tudo isso
DIÓ
Tenho que
dizer por isso
Seca maior
não terá
O bode
escapa comendo
Essas folhas
de juá
E abelha sem
ter flor
Se alimenta
em saburá
ALDO NEVES
É ruim de
encontrar
No sertão do
pajeú
Quando a
seca agarra a gente
Ver morada
de tatu
E o gado
espiando a boca
Comendo
mandacaru
DIÓ
Retratando o
pajeú
Isso não é
anedota
O touro
cabeleando
A bezerra e
a garrota
Comendo os
últimos dos talos
Da ração que
o dono bota
ALDO NEVES
Camponês
chora a derrota
Solitário
sem alegria
Planta o
solo e nada nasce
Nem feijão,
nem melancia
E o gado
berra com sede
Vendo a
cacimba vazia
DIÓ
Retrato com
agonia
Isso aí é
uma prova
Cai as folha
que estão velhas
Quando chove
ela renova
Mas sem
chuva o grão que nasce
Morre por
cima da cova
ALDO NEVES
Pra o homem
a maior prova
Vendo a seca
castigando
A vaquinha
magricela
Sem ter
chocalho tocando
Vai um mói
de mosca atrás
E um urubu
lhe acompanhando
DIÓ
A seca eutou
retrantando
Na minha
imaginação
Sem palma,
capim, agave
É triste a situação
A vaca olha
pra o dono
Urra pedindo
ração
ALDO NEVES
É triste a
situação
Depois que a
crise passou
Canta triste
o sabiá
Triste vendo
o sol se por
Morrendo um
sapo de sede
Onde a
cacimba secou
DIÓ
O que a seca
retratou
É o que a
gente relata
Não tem
capim no baixio
Nem folha
verde na mata
O vaqueiro
se aperreia
E o
fazendeiro se mata
ALDO NEVES
Não tem mais
leite na mata
Nem coalhada
a merendar
Não tem o
pássaro que canta
Nem vaqueiro
a aboiar
E o patrão guarda o gibão
Sem ter o
que campiar
ALDO NEVES
Pra seca se
retratar
Na minha
lembrança sai
Procurando o
alimento
A vaca
parida vai
O bezerro
quer o peito
Bate sem
força e cai
ALDO NEVES
Pra canto
que vai
É o maior
sofrimento
Berra uma
vaca sofrida
À falta de
alimento
Olha
berrando pro dono
“Com isso eu
me sustento”.
DIÓ
Pois a seca
é sofrimento
Devido ao
que preparou
Esperamos o
inverno
Mas a chuva
não chegou
E só sabe o
que é a seca
Quem no meu
sertão morou
ALDO NEVES
E o homem
que viajou
Sentindo a
crise que aperta
Vejo o meteorologista
Sem saber se
tudo acerta
E berra uma
vaca com sede
Bezerro de
boca aberta
DIÓ
No peito o
bezerro aperta
E alguma
espuma pingou
Chupou tanto
e nada encontra
No peito que ele chupou
Viu a espuma no chão
Baixou a boca e cheirou
ALDO NEVES
A vaca magra ficou
Escorou-se na cancela
No inverno já foi gorda
Com seca não fica bela
Vira uma cacimba suja
Por entre uma outra costela
DIÓ
Vendo a vaca magricela
Isso eu não posso negar
Tá procurando ração
Cansou mas não via achar
E o dono sente tristeza
Não acha pasto pra dar
ALDO NEVES
Camponês a viajar
Levanta de madrugada
Consegue um matulão sujo
A chibanca e a enxada
E a procissão de mendigos
Toma conta da estrada
DIÓ
Mas como seca e malvada
Seca pra nós desanima
O gado arrepia o pelo
Mostrando o jeito do clima
E depois come os talos secos
Que antes cagou por cima
ALDO NEVES
Eu vim á Várzea de Cima
Pra tomar uma aguardente
Vim atender um pedido
De Paulo que é meu parente
Que isso aí já faz parte
Desse cenário d’agente
DIÓ
Me desculpe realmente
Eu digo de coração
Se não fiz a seu agrado
Fiz a minha posição
Isso é cópia fiel
De uma seca do sertão
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