JOSEMAR RABELO, SEM ÓDIO E SEM MEDO

JOSEMAR RABELO, SEM ÓDIO E SEM MEDO

domingo, 3 de abril de 2011

SEMANA DA POESIA COM O POETA/REVERENDO BRÁS IVAN




Terra amada torrão onde meus pés
Se aprumaram pra meus primeiros passos
Testemunha de glórias e fracassos
Vitimada por mil secas cruéis.
Mas, pra nós sertanejos, inda és
Dos rincões, o mais belo e mais lembrado
Por seus filhos poetas, decantado
Para todos és chão, terra e auxílio
E pr’aqueles que vivem no “exìlio”
És lembrança chorosa do passado

Como posso esquecer as madrugadas
Nas moagens de cana nos engenhos
Tantas lutas, fadigas e empenhos
Das debulhas de milho nas latadas
Das bonitas manhãs ensolaradas
Adjuntos nas limpas de algodão
Buscas d’água num poço com galão
Almoçar feijão-verde com torresmo
Quem viveu essas coisas? Fui eu mesmo!
Nos meus anos de ouro no Sertão.

Quem não cala nas tardes sertanejas
Para ouvir o lamento do carão
Alternado no canto do cancão
Como fossem poetas em pelejas
Os badalos dos sinos nas igrejas
Convidando o caboclo a se benzer
O vermelho do sol no entardecer
Ir morrendo pras bandas do poente
Num teatro que Deus fez para a gente
Assistir esperando anoitecer.

Quando a noite, qual manto de viúva
Vem pintar o Sertão de negras cores
Aparecem os noturnos atores
Sapo, briba, guará, peba e saúva
Um matuto deitado, escuta a chuva
Que cai mansa nas telhas da palhoça
Quando o vento enfraquece, a chuva engrossa
Pensa então o caboclo emocionado:
Se eu pudesse ia agora pru roçado
Começar preparar a minha roça.

Meu Sertão, minha terra, meu regaço
O meu verso não é suficiente
Pra cantar o teu solo, a tua gente
Que trabalha e resiste sem cansaço
Não se assombra com seca nem mormaço.
Um cenário que Deus arquitetou
Eu aqui do lugar aonde estou
Apesar do progresso e do barulho
Mando um verso falando do orgulho
De Ser Tão sertanejo quanto sou.

Bràs Ivan

Também nasci no sertão
Onde o sol nasce bonito
Onde a terra é seca e quente
E rimar é quase um rito
A musa que beija a face
Beija tres vezes quem nasce
Em São José do Egito
.
                                                          (Brás Ivan)

De Onde Meu Verso Nasce

Meu verso nasce enrolado
Nas ramas da gitirana
Depois que nasce o amarro
Com tira de imburana
Não faltam tiras nem versos
Sete dias por semana.

Eu vendo um rolo de cana
Se transformar em bagaço
Um vaqueiro destemido
De gibão, perneira e laço
Misturo tudo com rima
Nos muitos versos que faço.

E quando sinto o mormaço
No pingo do meio-dia
Uma cigarra estridente
S’acabando em cantoria
Pego os dois ingredientes
E transformo em poesia.

Quando o bacural vigia
Na cabeça da estaca
Um caçote perde a vida
Na presa da jararaca
Eu sinto que um verso nasce
E no meu peito se ataca.

Enquanto na arataca
Um preà se aperreia
Um bode “trupica”e cai
Por estar preso na peia
Sinto um magote de verso
Correndo na minha veia.

Enquanto na roça alheia
Menino rouba goiaba
A nuvem roxa de inverno
`As aguas do céu desaba
Eu colho versos da fonte
Cheia que nunca se acaba.


O cheiro forte da baba
D’uma vaca remuendo
Uma torre no nascente
Se no sertão ta chuvendo
Sinto na roça da alma
Um verso novo nascendo.

Quando vem amanhecendo
No terreiro da cozinha
Eu vendo um galo pedrez
Correndo atràs da galinha
Até isso entra em meus versos
Dando  graça a rima minha.

Ainda de manhãzinha
Mâe preparando o café
Meu pai batendo a enxada
Vovô cheirando rapé
Vendo essas coisas me inspiro
Faço verso sem dar fé.

Pescando de jereré
Caçando de baladeira
Pastorando a criação
Me balançando em porteira
Somente lembrando disso
Faço verso a tarde inteira.


Brocando uma capoeira
Esperando as trovoadas
Ouvindo um vaqueiro velho
Rouco cantando toadas
Assim comecei fazer
Minhas estrofes rimadas.



Enquanto nas madrugadas
Caçava peba e tatu
Com fogo, fumaça e vara
Eu derrubava um enxu
Lavava a alma com versos
Nas aguas do Pajeu.




E quando o mandacaru
Nos dava a flor da esperança
A seca ia-se embora
Dando lugar a bonança
Eu rabiscava sem jeito
Os meus versos de criança.


Quando era noite de dança
Atravessava os riachos
Para ver as sertanejas
Com lindas tranças e cachos
Melodiava meus versos
No toque dos oito-baixos.


E quando os ferventes tachos
Borbulhavam nas moagens
Deus bendizia com chuva
Altos, baixìos e vàrgens
Eu jà descrevia em versos
Essas bonitas imagens.


E quando as cinzas paisagens
Denunciavam o estio
Eu na luz de um candeeiro
De lata, gàs e pavio
Cantava a terra rachada
Do leito  seco do rio.


Um sertanejo bravio
Num serviço de emergência
Uma mâe com doze filhos
Sofrendo com paciência
Faziam com que meu verso
Ganhasse forma e essência.


Quando as mãos da Providência
Tinham compaixão do povo
Mandava chuva na terra
Como sinal de aprovo
Sentia um verso na alma
Começar nascer de novo.


Pra festa de ano novo
Quando pai caiava a casa
Mâe estirava o vestido
Num velho ferro de brasa
Sentia a rima crescendo
E o verso criando asa.


Quando na cacimba rasa
A seca prenunciava
Que estaria chegando
Sem dizer quando voltava
Eu sentia que calada
A minha alma rimava.


E quando a rama da fava
Marcava o cabão de milho
Um cheiro invadia a sala:
Angu, pamonha e sequilho
Assim nasceu meu repente
E disso meu verso è filho.


Ao ouvir um trocadilho
Do poeta lourival
Um padre fazendo verso
Na vigilia de natal
Dizia: quando eu crescer
Quero fazer um igual.


Vendo uma velha rural
Servindo de lotação
A vìrgem sendo exaltada
Num poema de Cancão
Nasceram assim no meu peito
Um monte de inspiração.


E quando a televisão
Não tinha lugar na sala
Vovò contava anedotas
Jà velha usando bengala
Ao lembrar disso minh’alma
Faz verso, soluça e cala.


E quando uma rosa exala
Cheiro excitando a abelha
Um pingo de chuva entra
Por uma brecha da telha
Faço um verso tão sofrido
Chega a rima saia vermelha.


S’a derradeira centelha
Do sol morre no poente
E o negrume da noite
Envolve o sertão da gente
Escuto a alma agitada
Gemer parindo repente.


E quando da terra quente
Se levantava o mormaço
Com um feixe de ração
Pesando em meu espinhaço
Eu fazia um verso inteiro
Rimando cada  pedaço.


Assim o verso que faço
Nasceu aonde eu nasci
Bebeu a agua barrenta
Do barreiro que bebi
E comeu o xerem quente
Com leite como eu comi.


Os versos que eu pari
Nunca chamarei de meus
Porque sò fiz o retoque
E alguns detalhes seus
Fiz eu o acabamento
Quem criou mesmo foi Deus.


Não os quero nos museus
(Passa-Tempo de granfino)
E nem ornados em ouro
Escritos em papel fino
Os quero escritos somente
Na alma do nordestino.
                                       (Brás Ivan)

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